UPANISHADS

JOSÉ NUNES GOUVEIA

Dhâranâ nº s 112 – Abril a Junho de 1942 – Ano XVII

Redator : Prof. Henrique José de Souza

 

OS PRINCÍPIOS DA ESPECULAÇÃO INDIANA: Remontando às compilações dos VEDAS, temos os inícios da especulação indiana. VEDA é uma palavra sânscrita que significa CIÊNCIA, REVELAÇÃO – formada da raiz VID: SABER. É o livro sagrado dos Hindus.

 

Desde o despontar da civilização, os Hindus designam assim o conjunto das Escrituras sagradas que constituem a base da sua religião, da sua moral, dos seus costumes e mesmo das suas instituições sociais, representadas pelos quatro livros, chamados: RIG-VEDA, SAMA-VEDA, YADJUR-VEDA (compreendendo duas compilações distintas - Taittiitriya-samhâ ou Yadjur-preto, e Vâdjasanéyê-samhita ou Yadjur-branco), e ATHARVA-VEDA. Durante dois séculos, mesmo até à época bastante recente da compilação do Mânava-Dharma-Shastra ou Leis do Manu, nunca se tratou entre eles de mais que dos três primeiros VEDAS: o TRÍPLICE VEDA, e o nome do Atharva parece ser ignorado, o que permite concluir que este é de origem relativamente moderna. Cada VEDA é uma compilação de hinos versificados em metros diversos, dedicados a numerosas divindades, mas referindo-se no fundo ao sacrifício e à conservação do FOGO SAGRADO. Segundo a tradição, foram ditados por Brahmã aos Rishis. Cada VEDA é completado com comentários rituais em prosa ou Brâhmanas, e tratados de filosofia e de metafísica, entremeados de prosa e verso: UPANISHADS e

ARANYAKAS.

 

O RIG-VEDA, o mais antigo, encerra o germe da mitologia, da cosmografia, do ritual e da filosofia brahmânicas, e, por outro lado, explica e esclarece as origens das mitologias grega e latina.

 

O RIG-VEDA propriamente dito (isto é, a sua parte versificada chamada MANTRA, para a distinguir da que se denomina Brâhmana, comentário ritual e lendário, em prosa, de época mais recente), compõe-se de 1.017 suktas ou hinos de extensão variável, dos quais cada um tem a nome do Rishi, seu autor, divididos em 10 livros ou Seções (Mândalas).

 

O RIG-VEDA é um ritual e só se refere a um único assunto: o sacrifício, que parece ter consistido, nos tempos primitivos, apenas no ato de acender e alimentar o FOGO SAGRADO por meio de libações combustíveis, licôr alcoólico chamado SOMA e manteiga derretida. Nada mais se aventuram a dizer os estudiosos destes assuntos, pois que para trás desses limites já alcançados, estende-se pesada nuvem, – verdadeiro véu de Ísis, ocultando a parte simbólica do ritual.

 

Pode-se afirmar que o RIG-VEDA é muito antigo, mais antigo que toda a literatura grega, e essa, foi haurir na velha Índia a seiva vigorosa que depois apresentou ao mundo. O RIG-VEDA contém duas Brâhmanas: Aitareya ou Açvalayana e Kauchitaki ou Shânkhayana, e uma só Upanishad, a Aitareya, anexada à Aitareyabrâhmana.

 

O VEDISMO encontra-se na noite dos tempos; ascende a uma remota antiguidade, se bem que segundo o Professor Sylvain Lévi e sua escola, pertenceria às realizações da primeira metade do primeiro milhar de anos antes de Cristo. Alguns pesquisadores situam mal no tempo o VEDISMO. Não considerando "aqueles fatos" com "aqueles olhos" e "aqueles corações", exclamam extraordinariamente escandalizados: Eles não possuíam nenhuma noção de moral! Os crimes ou pecados que os Deuses punem, são os exclusivamente relativos às negligências ou erros nas celebrações dos sacrifícios! Não conheciam Cosmogonia nem Teogonia ! Afinal, tinham eles uma religião naturalista, no sentido de que os Deuses personificam os fenômenos, as forças e os elementos da natureza, e mais ainda, também os elementos do sacrifício: o FOGO e a LIBAÇÃO, que o ajuda a acender e o conserva. Queixam-se de que os Deuses Védicos são vagos, sem individualidade marcada, confundem-se e substituem-se uns aos outros de tal fôrma que se pode perguntar si não seriam simplesmente adjetivos aplicados segundo as circunstâncias às manifestações de um Deus único, personificação do FOGO ou do SOL... Chegaram a conclusão, pelo número de hinos do RIGVEDA que lhe é consagrado, que as maiores divindades do VEDISMO são:

AGNI – o Deus do FOGO TERRESTRE, CELESTE ATMOSFÉRICO (fogo, sol, relâmpago e o tríplice Agni), e também do FOGO DOMÉSTICO, protetor do lar familiar.

INDRA – o "ardente", Deus que rege a atmosfera, que manda a chuva, senhor do raio – Vâjra – ,com o qual combate e da morte aos demônios das nuvens, roubadores ou detentores avaros das águas fertilizadoras, Deus guerreiro, patrono da raça Ariana;

SOMA – a libação divinizada, personificando o Licor alcoólico, com a ajuda do qual o sacrificador acende e aviva o FOGO SAGRADO;

DYÔS – o céu, pai dos Deuses, dos homens e de todos os seres que Ele gerou pela, sua união com Prithivi, a TERRA, ou ADITI, o ESPAÇO;

VARUNA – outro Deus do céu, mas do céu noturno, a divindade védica que, posteriormente admitiram como tendo um caráter moral na qualidade de vigia e de Juiz das ações dos homens;

SURYA – O Deus do Sol, chamado também SAVITRI;

MITRA – irmão de Varuna, outra forma do Sol;

RUDRA – Deus da tempestade devastadora, protetor dos rebanhos;

UCHAS – Deusa da Aurora;

ASHVINS – personificando os dois crepúsculos;

VAYU – o Deus do vento;

YAMA – o Deus dos mortos;

MARUTS – personificando os relâmpagos;

ADITYAS – filhos de Aditi, de que Varuna é o Chefe. A principio são sete, depois oito, e acabam sendo doze... desorientando completamente os bem intencionados pesquisadores... Teríamos ainda os VASÚS, os RIBHÚS, etc. etc.

 

Prosseguindo na exposição dos resultados alcançados pelos investigadores dos VEDAS, podemos dizer que todos os Deuses que vimos acima, são compreendidos na designação coletiva de DEVAS, os "brilhantes", e primitivamente, dava-se também aos principais o nome de ASSURAS, que depois se tornou a designação dos demônios. Estes representam as TREVAS. São os irmãos dos Deuses, irmãos mais velhos, a quem somente faltou, para por sua vez se tornarem Deuses, o AMRITA ou ambrósia, bebida da imortalidade,– o SOMA – que os homens facultam aos Deuses com os seus sacrifícios.

 

Lutam eternamente para destronarem os Deuses, mas na realidade só prejudicam os homens com os obstáculos que põem aos sacrifícios de que querem privar os Deuses.

 

É, com efeito, ó sacrifício, que constitui por si só o culto Védico: deve celebrar-se todas as manhãs, ao nascer do sol, e consiste em acender o FOGO SAGRADO, por meio da fricção de dois pedaços de madeira (os ARANIS), depois em libações de SOMA e manteiga clarificada, tudo acompanhado da recitação ou do canto de hinos e de ofertas de cereais. Nas ocasiões solenes, este sacrifício completava-se por um holocausto de grãos, pastéis, mel e vítimas animais, e algumas vezes mesmo, dizem, de vítimas humanas.

 

Nessa remota época, não existiam na Índia, nem castas nem corpo sacerdotal.

Todos os Árias eram iguais, e era o pai de família, o SENHOR DA CASA, – GRIHASTA –, que assistido por sua mulher, filhos e servos, celebrava em benefício de todos, os ritos obrigatórios. Quando se tratava de cerimonias mais solenes, celebradas para toda a povoação ou tribo, viam-se aparecer os nomes: HOTRI, ADHVARYÛ, RITVIDJ, ATHARVAN e BRAHMANE, os sacrificadores especiais, compositores de hinos, exercitados em diversas fases do sacrifício, que, pouco a pouco, se tornaram verdadeiros sacerdotes e se organizaram em casta sacerdotal. E, logo após, tivemos o "enxerto" das

Leis do Manu, tão facilmente reconhecível aos conhecedores das Coisas Ocultas...

 

Quanto à parte material da palavra como "vocábulo", VEDA dá-nos a perceber que é "aquilo que esconde, que veda..." Não só o verbo VEDAR, do Latim Vetare, mas VEDEIRA; o nome de uma adivinhação de que fez menção Fernão Lopes na CRÔNICA DE D. JOÃO I, em tempos que já lá vão... Do Italiano – VEDETTA, herdamos o vocábulo Vedeta, que significa o "cavaleiro de sentinela". Se continuássemos, seria um nunca acabar...

 

Temos uma primeira afirmativa, então: As quatro compilações dos VEDAS são repertórios litúrgicos para o sacrifício. Seu caráter essencialmente ritualista explica a orientação ulterior do pensamento indiano. Fundado inteiramente sobre um repertório litúrgico, a religião dos VEDAS compreende um conjunto de ritos, não de dogmas. Donde se segue que, ficando inteiramente fiel à letra dos VEDAS, o pensamento Indiano foi, desde os primórdios, de uma curiosa liberdade especulativa.

 

Assim, é que vemos figurar entre os documentos mais tardios do primeiro em data das compilações Védicas, o RIK (X, 129), uma passagem onde já se comenta o problema do Ser:

 

"Não havia nem Ser, nem não-Ser, – não havia atmosfera, nem céu por cima de nós. Quem se moveria? Em que sentido? Sob a guarda de quem?... "Nem havia morte, nem imortalidade. – O dia não estava separado da noite. Só o UM respirava, sem alento estranho, dele mesmo –; e nada mais havia que Ele mesmo em si.

 

"Então despertou-se nele pela primeira vez o desejo; – foi esse o primeiro germe do espírito. – O "nó", o laço dos seres, descobriram-no no não-Ser os sábios esforçandose, plenos de inteligência, em seu coração...

"Quem o sabe, quem nos pode dizer donde nascemos, donde vem a criação? – e se os Deuses não são nascidos senão depois dela? – Quem o sabe, – donde vem ela?

"Donde veio esta criação, – se ela é criada ou não-criada – Aquele cujo olho vela sobre ela do mais alto dos céus, – somente Aquele o sabe; e ainda o sabe? (Conforme Foucher, segundo a tradução de Oldenberg).

 

Um outro hino do RIK (X, 121), trata da questão do Deus único, concebido como um absoluto:

"O que dá a vida, o que dá a força – donde todos os Deuses acatam as ordens, – de que a sombra é a imortalidade, de que a sombra é a morte, – quem é Esse Deus, que honramos com sacrifícios?

 

"Por quem existem essas montanhas de neve, – e o mar, com o regato longínquo – que tem para seu poder as regiões do céu, – quem é Esse Deus, que nós honramos com sacrifícios?

 

"Para quem o espaço é brilhante e a terra sólida, – por quem foi estabelecido o céu, mesmo o céu mais alto – que regulou os espaços do éter – quem é Esse Deus que nós honramos com sacrifícios?

" ... Aquele que sozinho é Deus acima de todos os Deuses, – quem é Esse Deus que nós honramos com sacrifícios? (Segundo a tradução de Foucher).

 

Os Deuses Védicos, os DEVAS, os Luminosos, os Celestes, são principalmente Divindades atmosféricas relacionando-se, como o próprio nome o indica, ao céu luminoso e fulgurante. Seu culto consistia essencialmente no sacrifício. Ora, esses Deuses, tão "soberenadantes "eram, e a importância do sacrifício tão considerável, que em pouco o sacrifício iguala a dos deuses e esses elementos foram proclamados divinos. Foi o caso, sobretudo de BRAHMAN (nominativo neutro-Brahma), a palavra ritual e mágica do sacrifício. Não era por seu intermédio que se concluía, entre os deuses e os homens, o pacto que ligava os deuses com os homens? O Brahman tinha então o poder de obrigar, de encadear os deuses? Mas, então era superior aos deuses? E assim foi proclamada a divindade suprema de quem todos os deuses védicos eram somente manifestações. Essa dedução abstrata que, do Vedismo original, fez sair o bramanismo histórico aparece já em plena luz nos BRAHMANA, espécie de comentários explicativos em prosa, adjudicados ao texto dos VEDA. (O Satapatha brâhmana, segundo Eggeling, em Sacred books of the East, da Série Harward).

 

A partir daí, o termo BRAHMAN designaria na especulação indiana aquilo que nós poderemos chamar o "ABSOLUTO", aproximando-nos o mais possível na tradução literal, pois que a língua portuguesa não contem um termo capaz de traduzir fielmente a palavra BRAHMAN.

 

As tendências especulativas entrevistas nos Brâhmana cristalizam-se nos Aranyaka (Livros da Floresta – se bem que num sentido de "madeiramento"...), e nos Upanishads (Lições Esotéricas), espécie de meditações ou de elevações Litúrgico-Filosóficas, de forma muito livre e por vezes lírica, duma poesia admirabilíssima distribuindo-se pelas quatro compilações dos VEDAS, nunca perdendo o caráter sagrado, conforme nos conta Max Müller em "The Upanishads".

 

No seu conjunto, os Upanishads eram até aqui, geralmente, datados do ano 600 a.C., se bem que os mais antigos, o Brihad Aranyaka e o Chândogya, fossem remotos, dos meados do 7o século. No entanto a cronologia curta de Sylvain Lévi e de sua Escola obriga a uma revisão, a iniciar-se pela data apresentada. Realmente, está constatado que os mais antigos Upanishads são contemporâneos do Boddhismo primitivo.

 

Os indianistas dividem os Upanishads em quatro grupos. No primeiro grupo é colocado o Brihad Aranyaka, o Chândogya e o Aitareya; no segundo, o Kâthaka, o Iça e o Mundaka, sendo que o Kena marca a transição entre o primeiro grupo e o segundo. No terceiro grupo, dado como post-Boddhico, notase o Praçna, o Mâitrâyânîya e o Mândúkya.

 

O quarto grupo compreende os Upanishads do Atharvaveda.

 

O ensinamento dos Upanishads e sistemático, M. Oltramare nota com razão que neles podem ser colocados: o monismo, o subjetivismo, e outras atitudes intelectuais.Entretanto podemos concluir um certo número de proposições, tanto no ponto de vista de "crenças", quanto no de conceitos filosóficos. No ponto das "crenças", é nos Upanishads que vemos pela primeira vez triunfar numa nova noção que caracterizará daí em diante todo o pensamento indiano, a noção da transmigração ou Samsâra, cuja orientação é determinada pelo balanço – mérito ou demérito – de nossas vidas anteriores, literalmente pelos nossos "atos", Karman. Certas passagens do çatapatha brâhmana já se referem francamente ao estado de transmigração e ao Karman. Diversos críticos, como Senart, Rhys Davids, M. de La Vallée Poussin, pretendem que a transmigração representa uma crença animista popular, transformada em uma teoria geral nos meios estranhos à tradição sacerdotal, tal como os Brâhmana nos apresenta. Mas como apareceria essa crença nos meios populares? E de mais a mais, não são os mesmos pesquisadores que nos disseram há pouco, conforme vimos, que, realmente no inicio, havia uma "igualdade"?

 

Houvesse ou não houvesse, já não é uma contradição?... E não existem escolas filosóficas, cujos ensinamentos foram cristalizados em máximas populares, que dão todo o valor à voz do povo? Vox populi, vox Dei...

 

Seja como for, o dogma da transmigração se impõe, a partir dos Upanishads, a toda a especulação indiana, não sómente Boddhica e Djainista, mas ainda, Bramânica. O Boddhismo, constituído em oposição às doutrinas bramânicas, combatendo as noções centrais bramânicas de ATMAN e de BRAHMAN, aceitou sem discussão alguma a transmigração. Pode-se mesmo dizer que, no Boddhismo primitivo como nas diferentes escolas Bramânicas ou Djainistas, a procura da salvação (Moksha), razão de ser de todos os sistemas, não seria outra cousa que a procura dos meios intelectuais, ascéticos ou místicos, próprios a libertar o ser humano do "pesadelo" da transmigração.

 

No domínio filosófico, os Upanishads aprofundaram a noção, já ventilada pelos Brâhmana, do Ser Puro, substância única e total, ou BRAHMAN. Essa realidade última, não a encontraram no mundo exterior, sequência inconsistente de fenômenos, mas no fundo da consciência psicológica, no sujeito pensante, na alma humana que os Hindus chamam ATMAN, termo que, nos hinos do Rig-Veda designa o sopro vital, e que, no sânscrito posterior significa literalmente o "Ele mesmo" (o soi-même dos franceses), de cada um e de cada cousa:

"O Brahman reside no coração. Ele está lá e em nenhuma outra parte. Os sábios que o contemplam dentro da própria alma, esses sábios, e não os outros possuem o repouso eterno! "(Upanishads Kâthaka: II, V, 12 e 13).

 

Entretanto, si o Brahman reside na alma do homem, se ele é interior ou idêntico a Atman, obriga à consideração de que o Atman não é o "eu" no sentido ocidental da palavra, o Ego empírico, a personalidade fenomenal e social. É – já vimos, como dizem os Hindus, a fonte impessoal da personalidade, o substratum subconsciente dos fenômenos de consciência. Resulta que o Brahman é também um subconsciente pelo qual o espírito pensa, mas que nenhum espírito pode pensar" (Kena Upanishad, I, 5). Esse subconsciente, eternamente sujeito, jamais objeto de conhecimento, é por sua vez espiritual e incognoscível; só se define negativamente, como o "SER SEM MAIS", despojado de toda a qualidade contingente, e o espírito, do qual constitui a essência, não o pode penetrar senão pela intuição, abismando-se nele numa comunicação mística.

 

Como pela intuição entrevemo-lo no fundo da nossa alma, Ele encontra-se no fundo de toda a personalidade, de toda a vida, de todo ser. De maneira que o ensinamento dos Upanishads, na medida em que se deixa sistematizar, poder-se-á resumir na surpreendente fórmula do Yâjñavalkya do Brihad Aranyaka (III, 4 e 5) "Perguntas o que é Brahman? É teu próprio Atman que é interior a tudo!".

 

Descemos aqui à região misteriosa e subterrânea onde, entre ás trevas invioláveis, se move á sombra imensa do Deus Bramânico. O sábio que o alcançou, e que discerniu no seu coração a presença desse subconsciente primordial, regressa até Ele, e, literalmente, a Ele se associa. Para ele, daí em diante, "não há mais nada interior, nada mais exterior, mais de dentro, mais de fora" . Em outros termos, não existe pára o vidente nem personalidade, nem mundo exterior. A consciência individual vazou-se até atingir o Brahman-Atman, a subconsciência cósmica. De um só golpe, a salvação (Moksha) é obtida, pois o Atman, a alma humana, identificando-se á Brahman, ao Deus total, escapa

à prisão da personalidade empírica, ao determinismo do Karman e a engrenagem da transmigração, à Roda de Sâmsara .

 

Duas observações gramaticais, de uma estranha extensão filosófica, impõem-se, antes de passar em revista as variações infinitas dos Upanishads sobre ATMAN e BRAHMAN. Primeiramente, é bom não esquecermos que ATMAN, na língua já evoluída dos Upanishads, significa simplesmente o "soi-même" dos franceses, o "soi-même" de qualquer coisa, e assim pode bem ser aplicado ao "eu" individual como à essência cósmica ou Brahman. Já Paul Regnaud chamara a atenção, notando a passagem de um termo a outro, aparentemente sem transição das acepções de um ao outro.

 

A segunda observação, é que o termo Brahman que anuncia aqui a idéia mais sublimada da divindade, é tomado no gênero neutro. Se desejarmos uma aproximação, a menos infiel possível na tradução da palavra, podemos chamá-Ia "o Divino", no sentido mais indeterminado da palavra. Essa simples particularidade gramatical é importantíssima quanto às consequências filosóficas. O Absoluto dos Upanishads é, desde o início, concebido como neutralidade, impersonalidade e in-cognoscibilidade. Nada se pode dizer dele, ensina o Kathaka Upanishad (II, 6, 12-13), senão: é o que é; chama-se somente – sempre no neutro – SAT: "o que é", ou "TAT: "aquilo", a cousa em si, o SER SEM MAIS.

 

É fato, como observa M. de La Vallée Poussin, que os textos opõem muitas vezes o neutro ao masculino: "Não havia senão Brahman; como o suco de seu vigor superabundava, tornou-se Brahmâ". Porém, o neutro indica uma força impessoal, pois "Brahman emite os Deuses; Ele pensa: como poderei entrar no mundo? " No primeiro capitulo do Kaushitaki, por exemplo, nota-se um emprego indiferente, pelo menos aparentemente, do neutro e do masculino. Essa circunstância foi observada por um grande estudioso Indianista, o Professor de La Vallée Poussin.

 

Podemos dizer que há um "ondulamento "nas expressões dos Upanishads. O que é dito do Atman individualizado será aplicado ao Atman total, ou Brahman, e reciprocamente. Enquanto isso, Atman e Brahman nos serão apresentados como um incognoscível, para linhas após, aparentemente sem transição, ser afirmado como um PURO ESPÍRITO e consciência psicológica.

 

Uma das primeiras afirmações que encontramos nos Upanishads sobre Atman é a de sua espiritualidade. Encontra-se mesmo, na Chândogya Upanishad (VIII, 12) uma espécie de esboço do COGITO ERGO SUM: "A essência. que tem consciência dessa idéia – Vou pensar – é Atman". É por intuição que se escolhe essa essência no fundo de seu pensamento: "O Atman, ensina o Mundaka Upanishad (III, 2-3), deve ser percebido por meio do mesmo Atman que se deseja conhecer. O Atman daquele que deseja conhecer o Atman encontra sua própria essência." – O Kâthaka Upanishad (II, VI, 9) faz também residir o Atman na conciência psicológica: "Sua forma não é um objeto visível.

 

Ninguém o conseguira ver com os olhos. É pelo coração, pelo pensamento, pelo espírito (Manas) que se o pode perceber." No mesmo sentido, Atman, todo subconsciente e todo incognoscivel que se lhe proclama em seguida, será dito "fato de conhecimento", "consistente em conhecimento" (Vijñânamaya) (Brihad Aranyaka IV, III, 7).

 

Ajuntaremos que ele não pode ser percebido senão pelo espírito (Manas), e que é o MANAS DO MANAS, o ESPÍRITO DO ESPÍRITO. Para que bem nos convençamos de sua espiritualidade, o vocabulário imperfeito dos Upanishads, (ou melhor, o vocabulário aparentemente imperfeito dos Upanishads), nos afirma sua infinita subtilidade. É mais ou menos uma espécie de átomo espiritual; pois "o Atman é superior ao próprio éter espacial (âkâsha)".

 

O Kâthaka Upanishad (I, II, 20-23) desenvolve longamente a noção da espiritualidade do EU. Menor do que aquilo que é ínfimo, maior do que aquilo que maior possa ser, o Atman repousa, escondido, no coração da criatura. O sábio, liberto do desejo, cujos sentidos se encontram apaziguados, "percebe-se" (nele próprio), a majestade de Atman. Imóvel, o Atman vagueia ao longe; sem se mexer percorre o espaço. A dor do sábio cessa desde que ele conhece o Atman imenso, penetrando por toda a parte, sem corpo no meio dos corpos, estável no seio das cousas transitórias. Esse Atman não é atingido nem pelo estudo, nem pela ciência; só o é pelo próprio Atman. O Atman só é conhecido por ele mesmo. O Atman do sábio reconhece então sua própria essência.

 

Nesta passagem célebre, o Atman é dado nitidamente como o Eu consciente atingido pela intuição no fundo do pensamento individual.

 

As relações de Atman com as faculdades intelectuais são em seguida definidas pelo mesmo Upanishad (I, III, 3) seguindo uma larga imagem platônica. "O Atman está sobre um carro que é o corpo. A razão (Buddhi) é o cocheiro, e o espírito ou entendimento. (Manas) está no logar das rédeas. Qs sentidos são os animais, e os objetos dos sentidos são os caminhos que eles percorrem... O entendimento é superior aos sentidos, a razão o é ao entendimento e o grande Atman à razão (ela-mesma)". E mais longe, este comentário, destinado a conciliar a espiritualidade de Atman com seu caráter de incognoscível ou "tudo do menos do subconsciente": "O ser que existe por si nos deu sentidos abertos pana o exterior:. eis porque o homem percebe o mundo que está fora dele, deixando de perceber o Atman que lhe é intrínseco".

 

O Brihad Aranyaka Upanishad define em termos análogos "o Atman que reside no interior do coração, o PURUSHA (o Espírito) que é luz. Sempre idêntico, passa de um mundo a outro, parece pensar e mover-se. Sobrevindo o sonho, transpõe este mundo e as formas da morte".

 

A radical simplicidade, a espiritualidade e a imortalidade de Atman são expressas com vigor pelo, mesmo Upanishad (III, IX, 26) : Este Atman, que não é este nem aquele, é, digamos, "incolhível", pois não pode ser tocado, indivisível pois não pode ser dilacerado, independente, pois não pode entrar em contato (com seja o que for de material); está sem laços, não sofre, não periga". Assinalemos, rapidamente, que esse caráter de beatitude "essencial" da alma humana tomada em si, fora do mundo, determina toda a orientação da mística indiana. O YOGIN hindu, funda-se sobre esses dados, abandona toda e qualquer ambição, para atingir a PURA FELICIDADE. Ele deseja, então "VIR a SER AQUILO QUE É."

 

O Kâthaka Upanishad (VI, 17). propõe os mesmos princípios para chegar às mesmas consequências: "A essência do Homem (Purusha), o âtman íntimo reside eternamente no coração de todo homem. Pacientemente deve-se extrai-lo de seu próprio corpo, como a semente de seu invólucro. – Imperecível e puro, o homem deve conhecêlo. Ele deve conhecer esse ser imperecível e puro". O Kâthaka Upanishad afirma ao mesmo tempo (I, II, 18-19) a imortalidade do Atman nos termos empregados quase que literalmente, palavra por palavra, como no BHAGAVAD GITA: "Ele não nasce nem morre: Não. têm outra causa além dele mesmo. Sem origem, perpétuo, não periga quando o corpo periga. Se se o mata e que crê-se matá-lo, se é morto e que se crê morto, nos dois casos ignora-se a natureza de Atman: não se o pode matar, ele não pode ser morto". – "O Maghavan, ensina Prajâpati no Chândogya Upanishad (VIII, 7-12), esse corpo mortal é a residência do Atman imortal e incorpóreo".

 

Com as mesmas tintas, com a mesma fluência de imagens, diversos Upanishads dão Atman como um incognoscivel: "Tu não poderás diz Yâjñâvalkya a Ushasta Câkrayana, ver o "que vê" do Olho, tu não poderás compreender "aquilo que compreende" do ouvido, tu não poderás pensar "aquilo que pensa" do pensamento, tu não poderás conhecer "aquilo que conhece" no conhecimento" (Brihad Aranyaka Upanishad III, IV, 2). Um pouco após, (ibid., III, VII, 31)

 

"Não se o vê e ele vê, não se o entende e ele entende, não se o pensa e ele pensa, não se o conhece e ele conhece. O Kâthaka Upnishad (III, VI, 9-13) após dizer-nos que não se percebe Atman a não ser pelo "coração, pelo pensamento, pelo espírito (manas) ", junta, sem transição, na estrofe seguinte:

"Não se o pode conhecer nem pela palavra, nem pelo espírito (manas), nem pela vista. Como concebê-lo doutra forma senão dizendo: Ele é? A natureza real do Atman se manifesta para aquele que responde: Ele é". Digamos de passagem que tal concepção está ligada à TATHATA do Boddhismo Mahâyânista.

 

Como ó Atman individual, o Atman universal, o "Grande Atman", assim como o chamam algumas vezes os Upanishads, o Brahman, é um principio espiritual. Esse "sói", essa declinação do Eu cósmico é imaginado em tudo e por tudo sobre o modelo do Eu-Próprio humano. "Esse Atman vasto e que nunca teve nascença, ensina o Brihad Aranyaka Upanishad, é o ser que entre os PRANA (os sopros vitais) consiste em conhecimento (ou consciência) (Vijñamaya). É ó árbitro do universo, o Senhor do Universo, o Superintendente Supremo do Universo". Assim, no Kâthaka Upanishad (II, IV, 13) a Morte responde a Naciketas que a interrogara: "O espírito (Purusha) do tamanho do dedo mínimo e parecido a um fogo sem fumaça, o Mestre do passado e do futuro que é hoje e amanhã, é o Brahman", e ainda: "É somente pelo pensamento (manas) que o Brahman pode ser atingido".

 

O Aitareya Upanishad (III, 3) desenvolve, duma singular maneira, uma tese análoga ao monismo espiritualista: "Ele é Brahma, Ele é Indra, Ele é Prajâpati, Ele é todos os Deuses, os cinco grandes elementos, a terra, o ar, o éter a água e o fogo, todas as sementes, todos os animais, tudo aquilo que respira, que anda, tudo aquilo que voa e tudo aquilo que está imóvel – ; tudo tem para guia a inteligência (PRAJÑA), tudo é fundado na inteligência. O mundo e guiado pela, inteligência; a inteligência é o fundamento (do universo), a inteligência é Brahman".

 

Com ridentes cores, os Upanishads afirmam a transcendência de Atman Supremo ou Brahman. "Esse universo movel, ensina o IÇA UPANISHAD (1-5), com tudo aquilo que nele muda, deve desfazer-se diante do Senhor (o PARAMÂTMAN) ". Esse SER ÚNICO é ao mesmo tempo "IMÓVEL e MAIS RÁPIDO QUE O PENSAMENTO. NAO PODE SER PERCEBIDO PELOS SENTIDOS E PASSA INFINITAMENTE OS ÓRGAOS DA INTELIGÊNCIA. MOVE-SE E POR ISSO É IMÓVEL, ESTÁ LONGE E PRÓXIMO, ESTÁ DENTRO DO UNIVERSO E POR ISSO ESTÁ FORA". O Kena Upanishad (1-2) dá-lo como o primeiro princípio: "Por quem o espírito (manas) foi posto em movimento? Por quem o sopro da vida (prana) foi posto em movimento? Com a ajuda de que os homens pronunciam palavras? Qual ó Deus, em verdade, que põe em atividade a vista e o ouvido? É aquele que é a ORELHA DA ORELHA, o ESPÍRITO DO ESPÍRITO, a VOZ DA VOZ, ó SOPRO DOS SOPROS, a VISTA DA VISTA". Como se vê, desde as primeiras palavras, o divino é dado como o suporte ou o fundamento da vida e do pensamento, a ALMA DA ALMA. É, diz-nos o MAITRI UPANISHAD (VI, 7) "o Atman do Atman, o imortal" O Kâthaka Upanishad (VI, 12-13) dá-nos Brahman como Ser Absoluto, uma definição onde se coou a concepção ESPINOZISTA: "Não se atinge Brahman nem pela palavra, nem pelo entendimento (manas), nem pela vista. Como percebê-lo senão dizendo : Ele é ?

– Não o poderemos perceber senão dizendo:

"Ele é".

 

A natureza real do Atman se manifesta para aquele que diz "Ele é". Considerando a evolução em sentido helicoidal, de Bergson, associaremos a concepção ao EGO SUM QUI SUM bíblico e ao COGITO ERGO SUM Cartesiano. Essas fórmulas demonstram desde o principio, as aptidões maravilhosas do Hindu para a metafísica. O Brihad Upanishad (III, VII, 7-30), desenvolve em largos traços a idéia do BRAHMAN-ATMAN como alma do mundo. É, ensina Yâjfiavalkya "Aquele que estando na terra é diferente da terra, que a terra não conhece e cuja terra é seu corpo, o moderador interno, o imortal, aquele que estando nas águas, é diferente das águas cujas águas são o corpo... aquele que estando no fogo, é diferente do fogo..., aquele que estando no espaço é diferente do espaço..", aquele que, estando no vento, é diferente do vento..., no sol, na lua e nas estrelas, nos pontos cardeais, no relâmpago, no trovão, é diferente deles todos e eles todos são-lhe o corpo".

 

 

A imagem engrandece-se ao infinito, pois o Atman Supremo é "aquele que estando nos mundos, é diferente dos mundos, que os mundos não conhecem e cujos mundos são-lhe o corpo, que tempera os mundos, o moderador interno, imortal...".

 

Para nos fazer compreender que o Brahman é bem um ABSOLUTO ao mesmo tempo que é IMANENTE os Upanishads, lutam contra a insuficiência, por vezes extraordinariamente penosa do vocabulário, acumulando imagens e exemplos. "Os sábios, diz o Mundaka Upanishad (I, I, 16) consideram esse ser como a matriz, (o útero) das criaturas. É invisível, imperceptível (aos sentidos), incorpora), eterno, omnipenetrante, infinitamente subtil, imperecível". "Os Brahmanes, ensina o Yâj nâvalkya do Brihad Aranyaka (III, VIII, 8), chamam-no o INDESTRUTÍVEL. Ele não é nem maciço, nem átomo, nem curto, nem longo, sem espaço, sem atilho, sem olho, sem orelha, sem voz, sem entendimento, sem sopro, sem nome, imortal, sem dentro nem fora".

 

Um texto mais tardio, o ÇVETAÇVATARA UPANISHAD, descreve-nos em termos análogos "o Ser Eterno que reside nele próprio: nada de superior a Ele poderá ser conhecido. Esse Deus encontra-se em todas as direções, é o PRIMEIRO-NASCIDO, está no interior da matriz (garbha); está (já) nascido, Ele nasce (ainda); Ele está em todas as criaturas; Ele está por todos os lados. Homenagem, homenagem a esse Deus que está no fogo, que penetra o mundo inteiro, que está nas plantas, que está nas árvores" (I, 12; II, 16-17). E, linhas depois (IV, I e seg.) : "O Ser Único que, estando sem sinais distintivos (sem atributos), tem para o emprego de seus diferentes poderes (ÇAKTI), e para objetos determinados, estabelecido no começo das cousas as distinções, tais que no fim, dissolvido o universo, esse ser é Deus". Todos os Deuses Védicos nele Estão ou antes, são Ele. Ele é AGNI (o fogo), é ADITYA (o sol), VAYU (o ar), é a lua, é o Brahman...

 

"Não tem corpo nem órgãos; não tem igual nem superior. Seu poderio (ÇAKTI) é supremo e diverso, possue essencialmente as qualidades de conhecimento e de força". Linhas após (IV, IV, 24): "Em verdade, esse Atman é o Mestre de Tudo, o Senhor de Tudo, o Soberano de Tudo. Governa o universo inteiro; é Ele o soberano dos Seres, o Senhor do mundo, o Depositário do Mundo. É o dique que cinge os mundos, impedindo que se confundam"... "O Espírito (Purusha) – continua o mesmo texto (III, 12 e seguintes) – , é o grande Mestre, o Luminoso, o Imperecível; envolvendo a terra por todas as partes. Ele a ultrapassa ainda em grandeza. É esse universo, é o passado e o futuro, é o Mestre da Imortalidade. É o árbitro do universo móvel e imóvel... É o primeiro, o grande espírito...

 

Ele é o Deus único que, semelhante à aranha, envolve-se por sua essência, jogando os fios do PRADHANA (a Natureza). Ele é único, é livre, é Aquele que multiplica, a semente única das almas individuais. Ê o agente de todas as cousas, o omnisciente, a matriz do Eu, o autor do tempo, o possuidor das qualidades, o Mestre do indesenvolvido e do Atman individual, a causa da transmigração e da liberdade".

 

O Brihad Aranyaka Upanishad celebra por vezes (III, VIII, 9) o BRAHMAN-ATMAN como um Todo-Poderoso bíblico: "Ê sob o império deste Ser imutável, GARGI, que o sol e a lua guardam suas leis distintas; é sob o império desse Ser imutável que o céu e a terra, os dias e as noites, as estações e os anos guardam suas leis e que os rios correm das montanhas nevadas, uns no oriente, outros rio' ocidente... O Kâthaka Upanishad diz num movimento análogo (II, V, 15) : "Nem o sol, nem a lua, nem as estrelas tornarão visível o Brahman. Ele é que é BRILHANTE, e o universo cintila com o clarão que Ele lhe empresta. É seu Raio que torna este universo visível". Mais abaixo (II, VI, 3) : "É por temor d'Ele que o fogo e o sol se inflamam, que Indra, Vâyu (o ar) e a Morte prosseguem seu curso." E ainda (II, IV, 9) : "Aquele donde o sol desponta, Aquele onde o sol se deita, Aquele em quem todos os Deuses estão inseridos e donde nenhum se ausenta, é Atman". Ou, numa imagem de singular beleza, que nos é dada pelo PRAÇNA UPANISHAD, quando exclama (IV, 7) : "Ó! Meu amigo, como os pássaros se refugiam numa árvore para a estadia noturna, assim o universo se refugia no Atman Supremo."

 

Ele é o Senhor de tudo, diz o Mândûkya Upanishad (6, 7), é omnisciente, é o regedor interno, é a matriz do universo, é o começo e o fim dos seres. É o Atman, Aquele que deveis conhecer". Em certos Upanishads posteriores, o Brahman é dado não somente como a Alma do Universo, mas como o Todo-próprio. "No começo, ensina o MAITRI UPANISHAD (VI, 17). Esse era Brahman. Estava só, infinito; infinito a Este; infinito ao Sul, infinito a Oeste, infinito ao Norte, infinito no Zênite, infinito no Nadir, infinito em todas as partes. Os pontos candiais para Ele não tinham existência, não mais que o acima e o abaixo. Esse Atman Supremo não pode ser surpreendido nem medido, nunca teve começo, não cai sob o domínio da discussão nem tão pouco do pensamento: tem a natureza do éter espacial (âkâsha). Somente Ele ficara desperto quando da destruição do universo. É, em princípio, pelo éter (âkâsha) que Ele aviva este universo perceptível. É por Ele que esse universo é meditado, é n'Êle que ele novamente se dissolvera. É a Sua forma brilhante que produz o calor do sol, a chama resplandecente do fogo... É um mesmo Ser que esta no fogo, no coração e no sol. Aquele que possui esse conhecimento obtém a união com aquele é Um".

 

Estas são algumas exceções. No maior número dos casos, o Brahman-Atman é dado simplesmente como o coração das causas, e, segundo a imagem do Brihad Aranyaka Upanishad (II; V. 15), como o cubo de roda da roda cósmica (Cakra) : "O Atman (universal) e o soberano Mestre de todos os Seres, o Rei de todos os Seres e, assim como no cubo e no aro da roda são ajustados todos os raios, assim nesse Atman são ajustados todos os sopros, todos os mundos, todos os deuses, todos os Seres, todos os Atmans (individuais)." É também representado como o lugar dos universos: os mundos,

ou, para falar como o Upanishad, "Aquilo que está acima do céu, Aquilo que esta abaixo da terra, Aquilo que chamamos o passado, o presente e o futuro", tudo é tramado e encadeado" no espaço (âkâsha), e o espaço, por sua vez, é tramado e encadeado no Imperecível, no Brahman.

 

As imagens da aranha, das centelhas, etc., empregadas pelo Mundaka Upanishad (I, I, 7 - II, I, I), exprimem uma idéia análoga:

 

"Assim como a aranha emite e absorve seus fios, assim como as plantas crescem sobre a terra e os cabelos ou os pelos sobre o corpo do homem, assim o círculo da transmigração do universo sai do Ser Imperecível. E assim como milhares de centelhas jorram do fogo bem inflamado, onde tem a natureza, ó meu amigo, as almas individuais saem do Ser Imutável e a Ele retornam". O Mundaka desenvolve em seguida (II, I, 2-II, 11, 11) uma curiosa gênese imanentista onde o Criacionismo parece alternar com o Monismo: "O Espírito Supremo (Purusha), sem corpo, reside no interior das cousas; nunca teve começo, está sem Manas, absolutamente Puro, superior (a tudo). A Lua e o Sol são os seus olhos, os pontos cardeais suas orelhas, o ar seu sopro, a terra nasceu nos seus pés. É o Atman interior a todos os Seres. D'Êle saíram todos os Deuses, os homens e as bestas. D’Ele saíram os mares, as montanhas e os rios e também as plantas, e a essência (rasa) por meio daquele Atman interno (Antarâtman) incorpora-se aos elementos grosseiros. É o Universo, o Brahman Supremo e imortal... Sobre Ele foram urdidos o céu, a terra e a atmosfera; o espírito (Manas) com todos os sopros (Prâna).

 

Brahman, o Ser sem mácula e sem partes, reside num estojo de ouro. É a brilhante luz das luzes. Imortal, estende-se a Este, ao Oeste ao Sul, ao Norte, ao Zênite, ao Nadir. É este universo. É o melhor". Sob essas cintilantes imagens, vemos uma sucessão de minuto a minuto, de aparências múltiplas de várias doutrinas. Pelo menos percebemos que as virtualidades expostas nas palavras que traduzimos com os mesmos vocábulos, são diferentes enquanto termos...

 

Entretanto, se os Upanishads, não possuindo um vocabulário preciso, – como não poderia nem pode possuir, no sentido ocidental – são obrigados a sugerir suas concepções por intermédio de metáforas é interessante notar que em seguida à canonização desse texto, às metáforas foram tomadas mais tarde, na VEDANTA, ao pé da letra.

 

Vemos, quando estudamos o BRAHMA SÛTRA, a que ponto os exegetas vedantistas se ligaram e "estorvaram" o texto por meio dessas imagens consagradas. (Esse verbo ESTORVAR está empregado, seguindo um pensamento do Prof. Grousset, conhecida autoridade Indianista). Notemos a dificuldade em encontrar palavras que personifiquem os pensamentos. Os Upanishads mais tardios como o ÇVETAÇVATARA, mostram-nos o procedimento dos antigos, nas chamadas profanamente IMPROVISAÇÕES POÉTICAS, do século 7o anterior à nossa era, e como estas se tornaram fórmulas canônicas. E assim que, se o Cvetâçvatara Upanishad (VI, 12) vai nos fazer compreender a ação do Brahman produzindo o mundo, retomara, como já vimos, a imagem da aranha segregando sua teia. O mesmo caminho da VEDANTA, foi trilhado pelo sistema SÂMKHYA. Com efeito, depara-se-nos o Brahman "envolvendo-se", graças à sua essência ou a faculdades próprias, com os fios da trama cósmica. Mas, é agregado que, esses fios são os do PRADHÂNA ou PRAKRITI, a Natureza Sâmkya, e temos então o dualismo reintroduzido no próprio seio do monismo.

 

Concebido à imagem do Atman individual – esse subconsciente – , o Brahman é dado como um subconsciente universal, ou, se preferirmos, como um INCOGNOSCÍVEL.

 

É interessante notar que o assunto preocupa muitíssimo os filósofos do século XX. Por exemplo: H. Bergson, W. James. Se recuarmos no tempo, vamos encontrar Spencer, que deu o titulo "IncognoscÍvel", à primeira parte de sua obra, FIRST PRINCIPLES.

 

O Brahman-Atman é o subconsciente desse subconsciente... Conforme as estrofes do Brihad Aranyaka, citado a todo o momento, Ele estando nos mundos e nos Seres, tendo os Seres e o mundo por corpo, não obstante é Aquele que nem os Seres nem os mundos podem conhecer. É "Aquele que, estando no ATMAN, é diferente do ATMAN, que o ATMAN não conhece, e cujo ATMAN é seu corpo, que tempera o ATMAN, no interior. "(Brihad Aranyaka Upanishad - III, VII, 30). Realmente, o BRAHMAN-ATMAN, substância cognoscível única, no coração de todos os seres, é o único sujeito pensante no Cosmos. O Brihad Aranyaka (III, VIII, 11) retoma sofregamente o mesmo tema. "Esse Imperecível, Ô GARGI, não se o vê, e Ele vê, não se o entende e Ele entende, não se o pensa e Ele pensa, não se o conhece e Ele conhece. Não há outro que veja, não há outro que entenda, não há outro que pense, não há outro que conheça."

 

É com este titulo que YAJÑAVAL-KYA o denomina "Aquele cujas trevas são a morada, cujo exílio é o mundo, cujo espírito (Manas) é a luz, – o último termo de todo ATMAN".

 

"Se tu pensas: – Conheço-o bem, – diz o KENA UPANISHAD, é que tu conheces da sua natureza, enquanto que considerada como agente de teu Eu, pouca coisa, assim como dele conheces nas Divindades. Aquele que crê não ter d’Ele a idéia, tem d’Ele a idéia enquanto incognoscivel, assim como aquele que crê conhecê-lo não o conhece absolutamente". Entretanto, o texto termina por uma concessão que "religa" o INCOGNOSCÍVEL ao campo do pensamento: "Aquilo pelo qual nos podemos aproximar do Brahman, é o espírito (Manas)." No Kâthaka Upanishad (Í, III, 12), a Morte ensina a Naciketas:

"Esse ATMAN que está escondido em todos os seres não se manifesta. Mas Ele é percebido pela inteligência penetrante daqueles que percebem as causas subtis." "O Ser antigo, – diz magnificamente o mesmo texto, – inacessível aos sentidos, o Ser cravado no desconhecido, envolvido pela sombra, habitando o abismo, habita em teu coração...".

 

Numa passagem muitíssimo curiosa, o Kâthaka Upanishad (II, V, 8) dá formalmente o BRAHMAN-ATMAN por um subconsciente, e nossas concepções, ou melhor, as concepções do Ocidente são essas também, na filosofia – o ser atingi-lo-á no estado de sono ou de sonho: "O PURUSHA que vela quando os órgãos estão adormecidos e que (então) evoca sucessivamente os objetos que lhe dão prazer, é o BRAHMAN, Aquele que se chama O IMORTAL. É d'Ele que dependem todos os mundos.

Nada está fora d'Ele. É o ÂTMAN."

 

O Kena Upanishad dá o primeiro passo, proclamando o BRAHMAN incognoscivel. "O olho não o pode atingir, nem a palavra, nem o manas. Nós não o conhecemos de maneira que o possamos explicar. Ele difere de tudo que é conhecido e desconhecido. Nenhuma palavra o pode manifestar, mas é por Ele que a palavra e manifestada. Nenhum Manas o pode pensar, mas é por Ele que o espirito pensa." Ou, preferindo, é "Aquele que não pensa pelo entendimento (manas) mas pelo qual o entendimento é pensado". Como já vimos, o Kena ensina em seguida: "Se tu pensas: – Conheço bem Brahman, – é que tu conheces da sua natureza, enquanto que considerada como agente de teu Eu, pouco cousa, assim como dele conheces nas Divindades. Aquele que crê não ter d’Ele a idéia, tem d’Ele a idéia enquanto incognoscivel, assim como aquele que crê conhecê-lo não o conhece absolutamente." Por sua vez, o Mândûkya Upanishad (6-7) – no mesmo instante em que nos apresenta o BRAHMAN como o Senhor e o Todo-Poderoso do Teísmo – dão-no como um INCOGNOSCÍVEL e um INCONCEBÍVEL, quase que como um IMPOSSÍVEL: "Sem inteligência interna, sem inteligência externa, não tendo um feixe de inteligência, não sendo nem inteligente nem ininteleligível, invisível, escapando a toda relação, imperceptível, sem sinal distintivo, não caindo sob o domínio do pensamento, não podendo ser descrito, tendo por essência a idéia de homogeneidade,... tal é o estado do BRAHMAN." Nessas alturas sentimo-nos entontecer: o BRAHMAN tornado a abstração suprema, fica bem próximo da vacuidade suprema, ÇÛ-NYATÂ, do Boddhismo Nâgârjuniâno.

 

Com o duplo título de INCOGNOSCÍVEL e de ABSOLUTO, o BRAHMAN UPANISHAD não pode ser definido, a não ser pela negação de toda qualidade, de todo atributo. "É Ele, diz o Brihad Aranyaka Upanishad, que se chama: Não! Não!; é o ATMAN incolhivel, intangível, sem peias, sem laços." (III, VI, 26-28 e IV, II, 6). Esse - NÃO! NÃO! – , é a dupla negação, - "NETI, NETI", que aparece em grande número de Upanishads, cada vez que tentam definir o BRAHMAN, eis aí, efetivamente, a última palavra da pesquisa Upanishádica sobre o ABSOLUTO. Quem não vê que a substancialidade dos Upanishads é quintessênciada, ao ponto de se purgar de todo o conteúdo? Aqui, ainda, temos anunciada a hora do Buddhismo. O "ATMANISMO" exclusivo dos Upanishads é tão radicalmente elaborado que tornou possível e de certa maneira inevitável a supressão do ATMAN (NAIRATMYA) pelo Buddhismo.

 

Porém, ainda uma vez, e misturadamente com as imagens monísticas ou nihilisticas, vem-nos interditar toda sistematização, uma imagem teísta. Observemos somente a passagem do PRAÇNA UPANISHAD já citado: "Ó meu amigo, assim como os pássaros buscam o refúgio na árvore onde se acolhem para a estada noturna, assim o universo se refugia no ATMAN SUPREMO." Se tomarmos ao pé da letra a passagem do Kâthaka Upanishad (II, V, 11) não veremos restabelecida uma certa distinção entre o BRAHMAN e o MUNDO? – "Assim como o sol, o olho do mundo, não é maculado pela vista das cousas impuras, assim o ATMAN único esta dentro de todas os seres e não é manchado pelo mal que reina neste mundo, mas é-lhe completamente estranho." É fato que os Upanishads não são outra cousa que as virtualidades de todos os sistemas da Índia – sistemas aparentemente os mais opostos – tendo entretanto uma preferência. Ou melhor, demonstrando uma remarcada tendência monística. É quando se trata de estabelecer a identidade entre o ATMAN individual e o ATMAN universal ou BRAHMAN que o lirismo filosófico dos Upanishads tem a maior fluência.

 

Todo o Brihad Aranyaka Upanishad nada mais é que um longo hino a este Tema.

 

 

Há um diálogo interessante de USHASTA CAKRAYANA e de YÂJÑAVALKYA:

"Yâjñavalkya, – o Brahman visível e não-visível. Dá-me a explicação! – "É teu (próprio) ATMAN que está interior a tudo" (Brihad Aranyka Upanishad - III, IV, 1-2), O grande desenvolvimento lírico desse Upanishad (III, VII), citado linhas atrás, termina correndo pelos mesmos trilhos: o BRAHMAN é aquele que, estando nos seres e nos mundos, é diferente dos seres e dos mundos, que os seres e os mundos não o conhecem, sendo ao mesmo tempo seu próprio corpo, "é Ele, teu ATMAN, o moderador interno, o imortal." A 4ª leitura do mesmo Upanishad encerra em fulgurantes sínteses o mesmo ensinamento (IV, IV, 17 e 28-29) : "Aquele que encontrou a trilha do ATMAN escondida no fundo do abismo, aquele é o autor de todas as coisas; o mundo pertence-lhe, e Ele é propriamente o mundo. Ele segue com os olhos o ATMAN, o Deus face a face, o Senhor do passado e do futuro... Quem o sabe, vê o ATMAN, vê-lo todo inteiro, todo ATMAN torna-se seu ATMAN, torna-se o ATMAN de todo ATMAN.. . É Ele, o imenso, o não-nascido, o ATMAN sem velhice, sem temores, e o BRAHMAN. "

 

Dessa doutrina se evoca por momentos, no Brihad Aranyaka Upanishad (II, IV, 5-6), um sopro de sensibilidade universal que, bem mais tarde, na Idade Média, se condensará na BHAKTI KRISHNIÂNA: "Não é, em verdade, pelo amor dos seres e dos mundos que os seres e os mundos me são caros, não é pelo amor do todo que o todo me é querido, mas pelo amor do ATMAN. O ATMAN, em verdade, é Aquele que faz ver, que faz entender, que faz pensar, que faz meditar... O Brahman abandonou aquele que pensa que o Brahman está em outra parte e não no ATMAN os deuses abandonaram aquele que pensa que os deuses estão em outra parte e não no ATMAN; os seres abandonaram aquele que pensa que os seres estão em outra parte e não no ATMAN; os seres abandonaram aquele que pensa que os seres estão em outra parte e não no ATMAN; o Todo abandonou aquele que pensa que o Todo está em outra parte e não no ATMAN. O ATMAN é o BRAHMAN, esses mundos, esses deuses, esses seres, esse universo " É a mesma doutrina que propõe a CHANDOGYA UPANISHAD: "Essa essência do Universo, é o ATMAN, tu o és (TAT TVAM ASI), Ó ÇVEAKETU!" (VI, seções 9-16).

 

Por vezes, o ATMAN individual nos é simplesmente dado como fundado no ATMAN universal: "Assim, ensina . Yâjñavalkya, como um pedaço de sal jogado à água se dissolve e não mais pode ser tirado, pois tome por onde tomar só encontrarei água salgada (e não mais o pedaço de sal), assim, o ATMAN individual não é mais que esse imenso ser, infinito, saturado de conhecimento." (Brihad Aranyaka Upanishad, II, IV, 12).

 

Na maior parte das vezes as imagens empregadas traçam simplesmente uma ALMA DAS ALMAS: "Em verdade, diz o IÇA UPANISHAD, aquele que vê o ATMAN em todos os seres e todos os seres no ÂTMAN, d’Ele nunca mais se separará (do ATMAN)."

 

Tal perspectiva, segundo os Upanishads, constitui a BEATITUDE: Para aquele que reconheceu que todos os seres são o ATMAN, para ele, que dor, que erro poderia ainda existir. desde que ele contemplou a UNIDADE SUPREMA, a identidade das coisas?

 

Surge uma pergunta, que todos vós com certeza já fizestes: Como a alma universal vem "animar" cada criatura? O Kâthaka Upanishad (II, V, 9). responde: "Assim como AGNI (o fogo) que é único, toma tal ou tal aspecto, depois de haver penetrado no mundo (combustível), assim o ATMAN único, que está no âmago de todos os seres, toma tal ou tal aspecto conforme os diferentes seres, e, ao mesmo tempo, reside também externamente. Assim como Vâyu, o ar que é único, toma o aspecto (dos corpos que o contêm), assim o ATMAN. E assim como o sol não é conspurcado pela impureza das cousas, assim o ATMAN único que está nas profundezas de todos os seres não é maculado pelo mal que reina neste mundo que lhe é estranho." Consideremos aqui, incidentemente que, enquanto que os Upanishads parecem preparar-nos momento a momento para o puro monismo Çankariâno, a distinção da alma universal e do mundo material, considerados como duas substâncias inconvertÍveis, parece, ao contrário anunciar aqui o dualismo Sâmkhya. E é ainda a PRAKRITI, a Natureza evoluística do Sâmkhya que parece fazer pressentir tal passagem da ÇVETAÇVATARA UPANISHAD (I,12-II, 17). "Esse Ser eterno, que reside n’Ele mesmo, superior a tudo aquilo que pode ser conhecido... homenagem, homenagem a esse Deus que est á no fogo, na água, que penetra o mundo inteiro, que está nas plantas, que está nas árvores... Ele é o Primeironascido, está no interior da Matriz, é (já) nascido, nasce ainda, está em todas as criaturas."

 

Mas, forçoso é reconhecer que o sentido geral dos Upanishads vai menos para o naturismo do Sâmkhya que para o monismo espiritualista da futura VEDANTA. Quase todos os Upanishads têm o fim de ensinar ao fiel a se identificar com a alma universal, a se tornar essa alma. "Ele envolve e penetra tudo, proclama do Brahman o IÇA UPANISHAD, fosforescente e simples, puro e sem mácula, inacessível ao pecado. É o Brilhante, Aquele que tudo sabe, presente em toda cousa, existindo por Ele...

 

Ó sol por toda a parte presente, único, resplandecente e ordenador, espalha teus raios, conserva tua luz! Tua forma, a mais bela de todas as formas, que eu a possa contemplar! Esse ser divino que É, "é" Eu-mesmo!" Para expressar esse monismo o Brihadâranyaka Upanishad se serve já de imagens que, muito mais tarde, na Idade Média Tibetana, simbolizaram pela união do deus e de sua ÇAKTI a união mística da alma e da divindade "Como um homem, nos braços duma mulher amada, nada sabe de fora nem de dentro, assim o ATMAN corporal, circunscrito pelo ATMAN intelectual, nada sabe de fora nem de dentro." Nesse caso o que vê e a vista não mais se separam; não há mais como que um segundo, um "ISTO" diferente "DAQUILO", distinto d’Ele, que se possa ver ou pensar. Sobre o Oceano sozinho, o que vê sem segundo, eis o mundo de Brahman!" Notemos sobre a identidade do sujeito e do objeto essas fórmulas que encontramos no Idealismo Mahâyanico (Vijñânâvâda) da Alta Idade Média Buddhica.

 

Mais audaciosas são as passagens do Brihadâranyaka Upanishad (II, IV, 12-14) e IV, V, 13-15) : - "Além onde há como uma dualidade (entre o ATMAN individual e o BRAHMAN), o um vê o outro (ou melhor, há aparência de sujeito e de objeto), o um pensa o outro, o um conhece o outro. Porém, aquele para quem nada mais e que ÂTMAN (ou melhor, o seu Eu-próprio; ou ainda melhor, o seu EGO), como poderá sentir o que seja pensar o que seja, conhecer o que seja? "E após (IV, IV, 1-2) : "Ele (o ATMAN individual) é (então) unificado (com o ATMAN Supremo) ; não vê mais; está unificado: não pensa mais; está unificado: não conhece mais." "Em outros termos, a identidade proclamada entre o sujeito conhecente e o objeto cognoscível torna inútil a relação entre eles, digamos, suprime o ato de conhecimento. Vê-se aparecer aí um estado de espírito especificamente indiano que se encontrará em toda a especulação posterior, tanto Buddhica como Bramânica. O idealismo Búddhico VIJÑÂNAVÂDINO e o idealismo vedântico de ÇANKARA foram igualmente fundamentados sobre a negação do sujeito, do objeto e do ato de conhecimento, dissociados todos três em uma "CONSCIÊNCIA" indeterminada.

 

Em lugar de duas terras, vis-à-vis, separadas e unidas por um braço de mar, o oceano sem margens...

 

Essa fusão do ATMAN individual e do BRAHMAN-ATMAN é, em todo o caso, considerada pelos Upanishads como constituindo propriamente a saída ou a salvação, a MOKSHA. A metade do Kâthaka Upanishad, já vimos] é consagrada ao desenvolvimento lírico desse tema. "Ele é o único soberano, a essência íntima de todos os seres. Ele transforma e multiplica (por toda a parte) sua forma única. Só os sábios que contemplam esse ATMAN de sua própria alma possuem a felicidade eterna. Só os sábios que o contemplam dentro da própria alma, Ele que dura eternamente entre as cousas passageiras, Ele que, sendo inteligência, atende aos desejos das criaturas não-inteligentes, esses sábios, só, possuem o repouso eterno. Tal é a felicidade indefinível, tal é a beatitude suprema..." – "Ele se une ao Ser supremo, ensina o PRAÇNA UPANISHAD (IV, 10-11), aquele que conhece esse Ser sem sombras, sem corpo, sem cor, puro, imperecível ;eis, meu amigo, o Omnisciente, Ele torna-se tudo, Ele penetra o Universo. "

 

Essa concepção monista da salvação foi retomada mais tarde pela filosofia Vedanta. Porém, por vezes, encontra-se uma outra concepção de salvação, dualista, e que será a do sistema SÂMKHYA, ou ao menos do monismo adoçado de dualismo de RAMANUJA: - "O ATMAN individual, escreve o ÇVETÂÇVATARA UPANISHAD (I, 10), é encadeado em seguida em sua natureza de posse (de quem está de posse de alguma cousa...); quando ele conhece Deus, é livre de todas as cadeias."

Trata-se, adverte, duma espécie de "secret" transmitido pelas escolas esotéricas (é este o sentido da palavra UPANISHAD), para se tornar de um golpe, possuidor do universo: "Aquele, diz o Brihadâranyaka Upanishad (I, IV, 10), que possui essa noção: - SOU.

 

BRAHMAN - vem a ser esse universo; os deuses, êles-próprios não o podem tocar, não o podem possuir, pois ele vem-lhes a ser ATMAN... Se o homem reconhece o ATMAN, de maneira a dizer: "SOU EU", qual o desejo, qual o sofrimento poderá ele sentir?... Aqueles que conhecem BRAHMAN tornam-se imortais!" - "Aquele, diz o IÇA UPANISHAD, que vê todos os seres em seu ATMAN e seu ATMAN em todos os seres não tem de que se arrepender. Para o homem que sabe que todos os seres estão em seu ÂTMAN e que vê a unidade em todas as cousas, que dor pode haver ainda?

 

A maior parte dos Upanishads termina por um hino sobre a felicidade da absorção mística. "Assim, diz o Kâthaka Upanishad (IV, 15), como a água pura cai "na" água pura, assim o ATMAN do penitente que conhece BRAHMAN torna-se, Ó descendente de GOTAMA, idêntico ao BRAHMAN." "Assim, ensina o Mundaka Upanishad (III, II, 8) como os rios correm e se perdem no mar, renunciando à sua forma (Nâmarûpa), assim o sábio, livre do nome e da fôrma, une-se ao Espírito (PURUSHA) brilhante, Superior ao Superior Aquele que conhece BRAHMAN, o Ser Supremo, torna-se BRAHMAN, atravessa a dor, atravessa o pecado, liberto de seus liames, torna-se imortal."

 

A concepção da salvação, assim desenvolvida pelos Upanishads, chega, por um lado à ascese do YOGA, e por outra ao BUDDHISMO.

 

O MAITRI UPANISHAD termina sua exposição por uma teoria do êxtase que é puramente YOGIN. Propõe-nos como exemplo o asceta "cujos sentidos são absorvidos como no sono, e que, desembaraçado da idéia de personalidade que o "amarrava" ao corpo grosseiro, ao fundo da caverna dos sentidos, vê, como no sono, com seu pensamento completamente purificado, o BRAHMAN." O mesmo texto recomenda mais longe "o abandono de todas as diversidades intelectuais", ou melhor, querendo dizer, de todo pensamento concreto e fenomenal. Conclui da seguinte maneira: "Assim como o fogo, a quem o combustível faz falta, repousa na sua matriz, assim a inteligência repousa na sua matriz após a extinção das faculdades. As falsas impressões resultam do efeito das obras que experimenta o espírito fenomenal (manas), ofuscado pelos objetos dos sentidos. Essa ordem de pensamentos é a causa da transmigração. É necessário aplicar-se à purificarão. Por. intermédio do pensamento destrói-se a obra pura ou impura (KARMAN). Fixando-se no ATMAN purificado, goza-se uma felicidade que nunca mais termina. "Se o pensamento destacado dos objetos dos sentidos repousa assim no BRAHMAN, como não será ele (pensamento) liberto dos liames? Pois o espírito fenomenal (manas) tem dois modos; ele é puro ou impuro. É impuro quando tocado pelo desejo. É puro se não tem absolutamente desejos. O espirito absolutamente imóvel e privado de repouso como de fadiga, chega a esse estado onde a natureza do espírito fenomenal (manas) desapareceu, e o fim supremo foi atingido. O espírito deve ser subjugado até ao momento de sua dissolução no coração (ou melhor: subconsciente). É a ciência da libertação (MOKSHA).

 

"A felicidade que experimenta o pensamento que a meditação profunda eximiu de suas manchas e que fixou morada no ATMAN, não poderá ser descrito pela palavra. Ele não é percebido senão com o apoio do "órgão interno" operando sobre ele próprio. – Assim como não se pode distinguir a água na água, o fogo no fogo, o éter no éter, assim aquele cujo espírito fenomenal (manas) é absorvido, encontrou a liberdade a saída tão ansiada. O espírito fenomenal é, sozinho, a causa do encadeamento e da liberdade dos homens. O encadeamento resulta do contato com os objetos dos sentidos, a liberdade consiste em se separar desses mesmos objetos" (MAITRI UPANISHAD VI, 34).

Salvo o último traço que se liga ao sistema SÂMKHYA, todas as passagens, com algumas transposições, se podem aplicar ao BUDDHISMO.

 

Assim, também, para esta outra passagem: – "Quando, por efeito do aniquilamento do espírito fenomenal (manas), vê-se o ATMAN individual mediante o ATMAN, há a supressão do ATMAN. Por essa supressão do EU, é-se infinito, liberto de toda relação material, pensamento puro. É aí que se encontra o supremo "secret" da liberdade! Pela supressão das impressões produzidas pela percepção, destrói-se a obra pura ou impura (KARMAN) ; tomando moradia no seio do ATMAN UNIVERSAL, gozando-se a felicidade universal." (MAITRI UPANISHAD II, 20). Suprimi, conforme a esta passagem, a noção de ATMAN -- já em si tão "sutil", tão sublimada, tão rarefeita que o ar da inteligência que respiramos começa a nos fazer falta, – temos então o BUDDHISMO.

 

No entanto, volvamos ao AITAREYA UPANISHAD (III, 3) - e temos o monismo moderado de teísmo e de criacionismo dos PURANA: Esse ATMAN consiste em inteligência é BRAHMÂ, é INDRA, é PRAJAPATI, é todos os deuses; os cinco elementos (MAHABHÛTÂNI), a terra (PRITHIVI), o ar (VAYU), o espaço etérico (AKASHA), a água (APAS) e o fogo ou luz (JYOTIS) ; as diferentes sementes, os seres que nascem delas, aqueles que nascem da placenta, aqueles que são impelidos, os cavalos, os bois, os elefantes, os homens, tudo aquilo que respira, tudo aquilo que anda, tudo aquilo que voa e que esta imóvel; – tudo isto tem a inteligência para guia (PRAJNA), tudo isto é fundado sobre a inteligência. O mundo é guiado pela Inteligência, a inteligência é o fundamento do universo, a inteligência é BRAHMAN", Assim os mais antigos escritos Vedicos sobre o RITA, a ordem cósmica, pressentida conforme a razão humana, reencontram-se nos poemas Upanishádicos, para, daí passarem às especulações sistemáticas do Hinduísmo.

 

De fato realizaram-se e sistematizaram-se as virtualidades tão divergentes, na aparência, dos Upanishads, no BUDDHISMO, inicialmente, e após no Hinduísmo. Nos Upanishads encontramos a essência de todo pensamento filosófico. As Leis de Kung-fu-Tseu, Meng-Tseu, Lao-Tseu, Tchu-Hi, Fo-HI, Zoroastro com ORMUZD ou AHURAMAZDA, principio bom, e AHRIMAN, o Deus mau. A moral do Egípcio KAQUINNA, as instruções do Egípcio PTAHOTEP. Lendo-se o Livro Egípcio "Manifestação das almas à luz", tem-se uma idéia sobre a psicologia religiosa de MEZRAIM, e poderemos situá-la, também, nos Upanishads. Entre os Hebreus, temos essas idéias 100 anos antes de Cristo em HILLEL, o velho, Doutor Judeu, que compôs um método de interpretação dos livros sagrados a que poz o nome de SETE REGRAS. Mais tarde aborreceu-se, pois os judeus viam com melhores olhos a Escola do Doutor Schammai, – escola apegada, à "letra que mata". Esta escola perseguiu Jesus Cristo ferozmente. Também os Celtas e os Gauleses ensinavam o desprezo da morte, o amor da liberdade o culto da pessoa. Os Germanos, com as suas florestas sagradas, abolindo as paixões humanas, e adorando ALLVATER, WOTAN ou ODIN e erigindo um PAI dos DEUSES, com facilidade são localizados nos Upanishads. Depois há como que uma "cristalização" do pensamento. Há pequenos problemas que preocupam o homem (Esses pequenos problemas iniciais, nesse tempo, para nós, hoje, são transcendentalissimos). E aqui aparecem os formidáveis filósofos da Grécia: TALES, ANAXIMANDRO, ANAXIMENES, HERÁCLITO, ANAXAGORAS, EMPÉDOCLES, PITÁGORAS, OCELLO, TIMEU, ARQUITAS, FILOLAUS, LEUCIPO, DEMÓCRITO, XENÓFANES DE COLOFON, PARMÊNIDES, ZENÃO, GÓRGIAS, PROTAGORAS, até chegarmos ao nome de SÓCRATES. E assim, iríamos enumerando nome após nome. Poderíamos citar um a um; suas idéias, pelo menos em essência, se encontrarão nos Upanishads. O próprio KANT, que chegou a mudar o eixo do pensamento universal e acostumou a discutir as bases das próprias matemáticas.. também ele se entrosa nos Upanishads, na distinção entre mundo intelectual e mundo fenomenal...

 

Há uma Escola, na Antiguidade, que avulta entre as outras, pela importância com que se apresenta, a Escola de Alexandria que foi um verdadeiro "Seixo branco" assinando uma das mais fecundas fases da vida do pensamento! Permiti-me algumas palavras, antes de terminar, sobre essa Escola. Depois da ocupação da Judéa pelos Romanos, inúmeros Israelitas emigraram para o Egito, onde muitos deles se entregaram aos estudos da filosofia, criando uma nova corrente de pensamento. A escola neoplatônica reconhecia em Deus, 3 princípios distintos ou hipóstases: a essência, a inteligência e a força motriz. A alma alcança a santidade pela lei moral, a oração, a mortificação e a visão extática. Não lhes parece que estamos lendo alguma citação do AITAREYA, do KENA, do BRIHADÂRANYAKA? Mas não, tal não se dá. Essa é a teoria de POTAMON AMÔNIO SACAS, LONGINO, PLOTINO, PORFIRO JAMBLICO, JULIANO o apóstata, PRÓCULO o Hierofante, "PHILON que adaptou o Platonismo ao Judaísmo com a celebre teoria do LOGOS". Diz-nos E. Brasil que o pensamento filosófico difundiu-se, por intermédio das idéias de Platão acerca do LOGOS, depois de peneiradas no pensamento judeu-Alexandrino de PHILON. Para os primeiros filósofos as idéias da Escola de Alexandria encerravam verdades indiscutíveis. E é assim que vemo-los dizer, que Deus é o princípio, o meio e o fim de todas as cousas; a bondade, a justiça e a sabedoria, são a sua substância. A Ciência Antiga fala, em Sabedoria. Vontade e Atividade. Essas 3 substâncias nada mais são que o ATMAN UNIVERSAL. Dizem eles depois: As três hipóstases constituem um só Deus, assim como a razão, a vontade e o sentimento formam um ser humano perfeito. Estas são o ATMAN INDIVIDUAL.

 

Após este bosquejo, chegamos à conclusão que as teorias mais modernas guardam uma constante que as assemelha, (pelo menos em essência), às teorias mais antigas.

 

A que ponto nos levará o resultado alcançado? A negação do conhecimento? – Não!

– Ao confucionismo do conhecimento, ao ceticismo, ao idealismo, ao realismo, à filosofia existencial? – Não!

A maior produtividade será alcançada com o estudo dessa constante, – encontrada em todas as teorias, – e as suas relações... Esse estudo, com um outro, apurado, dos termos, dissolveria e aniquilaria estéreis discussões, unificando todas ás teorias em duas únicas. Realismo e Idealismo, duas faces de uma mesma moeda... .

 

Uma coisa podemos afirmar após esta despretensiosa apresentação, constatada pelas linhas que narram o trabalho alheio:   NIHIL NOVI SUB SOLE.

 

BIBLIOGRAFIA

The Satapatha brâhmana – Julius Eggelin

Sacred Books of the East.

Rigveda brâhmanas – Harvard Series.

The Upanishads – Max Müller.

Matériaux pour servir l'Histoire de Ia Philosophie de l'Inde – P. Regnaud.

Religion and Philosophy of the Veda and Upanishads – Keit – H. Series.

Doctrine du sacrifice – S. Levi.

Les Philosophies IndiennesGrousset.

Le Bouddha, sa vie, sa doctrine, sa communautéOldenberg

DiaDogues of the Buddha – Davids.

MilindapañhaLes questions de Milindatraduit du pâli par Finot.

Compêndio de Philosophia – C. Lahr.

Cours de Philosophie - C. Lahr.

Filosofia – M. dos Remédios.

Psicologia Geral – Augusto Cesar Veiga